segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Isabel do Carmo. A grande volta que a esquerda não dá.

oclarinet.blogspot.com - Dar a volta (manolo75).Jan.2014
A esquerda tem que engolir elefantes ou mesmo dinossauros.

Por Isabel do Carmo

O manifesto 3D tem incomodado muita gente e nomeadamente uma certa direita. Uma direita cínica, displicente, dizendo-se pragmática, que não é conservadora no sentido tradicional, que não acredita em nada, nem nela própria. Contraditoriamente é muito firme sob o ponto de vista ideológico, sendo que essa ideologia é a base estrutural na qual se baseia o sistema financeiro económico que nos domina.

Perturbando-se pois com o manifesto 3D, o que só o dignifica, resolveu denegrir toda a esquerda, no sentido actual e no sentido histórico, dando-a por morta e enterrada. Em relação a Portugal, a porta da respeitabilidade dos consideráveis só a abre ao PS se este entrar em compromisso com a direita, isto é, se em próximas eleições legislativas o PS ficar numa posição que o leve a acordos governamentais ou parlamentares com o PSD/CDS. Esta seria uma grande desgraça para o nosso país. Teríamos a continuação da mesma política actual um pouco mais adocicada, mantendo o emaranhado de compromissos na Europa e em Portugal. Ou seja, o status quo.

Historicamente, a esquerda ou que como tal se designava, tem de facto páginas muito negras no seu passado. E muito mau será se aqueles que hoje se consideram de esquerda não proclamem tantas vezes quantas são necessárias que repudiam e denunciam as várias formas de estalinismo, para usar uma designação genérica que abrange muito mais do que uma só criatura. Tal como se passa com a Inquisição e seus continuadores na Igreja Católica, não há “contexto histórico” que os absolva. Podemos pois falar claro sobre o presente e o passado. E poderemos então ver de que lado funcionou de facto a esquerda depois de se sentar desse lado na assembleia durante o período da Revolução Francesa.

Foi a esquerda que lutou contra a escravatura, foi a esquerda (as mulheres e alguns homens) que lutaram pelos direitos das mulheres, foi a esquerda que descreveu as condições miseráveis dos trabalhadores durante a Revolução Industrial (Flora Tristan em França e em Inglaterra, Engels em Inglaterra), foi a esquerda que pôs em romance as diferenças de classes e a revolta (Victor Hugo e tantos outros), foi a esquerda que lutou pelas 8 horas de trabalho e depois pelo “weekend”. Foi a esquerda (partido Trabalhista na Grã-Bretanha) que criou o primeiro Serviço Nacional de Saúde (a lei de Bismark era apenas de “caixas” para quem trabalhava), foi a esquerda que organizou a resistência ao nazismo nos países ocupados, foi a esquerda que lutou pela independência das colónias, foi a esquerda que lutou contra o apartheid (só agora é que são todos admiradores do Mandela). Foi a esquerda que lutou contra a ditadura em Portugal, foi a esquerda que derrubou as ditaduras da América Latina.
Quando hoje alguns de nós nos sentimos motivados para apelar à unidade da esquerda é antes de mais uma questão ética.

Não somos nós que inventamos, são números oficiais que nos mostram que um quarto da população portuguesa está em estado de pobreza e que trezentos mil portugueses da população activa não têm trabalho, não virão a ter, não têm subsídio de desemprego ou não virão a ter. O que é que lhes querem fazer? Exterminá-los? Pô-los em fila à porta das instituições de solidariedade? No fundo fazem sentir-lhes que são inúteis, tal como os reformados. Se não existissem era melhor… Na prática, procedem como se eles estivessem a mais na vida. Ou acham que eles podem ser todos “empreendedores” e “subir por mérito”? Ou então que têm todos um QI baixo como disse a 27 de Novembro o Presidente da Câmara de Londres? Estamos num alto (será o máximo?) do desprezo da direita pelos seres humanos.

O momento é de urgência. Por isso a esquerda tem que se deixar de eleitoralismos, de protagonismos, de clubismos identitários.

Tem que engolir elefantes ou mesmo dinossauros. O povo cujo coração bate à esquerda, como é próprio dos corações, é muito mais amplo do que as direções (estimáveis) do B.E., do Livre, do PC, do PS e dos interesses individuais e ou coletivos.

Quando o grupo ad-hoc que promoveu o Manifesto 3D se formou, e depois cresceu para cinco mil, foi exatamente para unir a Esquerda correspondente ao povo da esquerda, não foi para sermos o “rés-do-chão esquerdo” ou o “oitavo esquerdo”. Para nós, que já tivemos tantas vidas seria mais cómodo ficar a ver a banda passar.

A alternativa tem que passar por uma grande volta! E ou a esquerda dá essa volta ou vamos caminhando para a barbárie.

In Jornal Público 19/01/2014


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1 comentário:

A.S. disse...

Que candidatura vai fazer o Movimento 3D às europeias? São uma alternativa do lado da esquerda?