Escrever com letras apenas minúsculas seria um problema? Habituámo-nos a captar uma determinada imagem gráfica das letras e das palavras, e a cada alteração da norma aprendida temos um supetão, a mim sucede-me quando leio textos escritos segundo o último acordo ortográfico; mas se fizermos a experiência de substituir a letra grande pela pequena lemos o mesmo. São convenções.
Há 85 anos alguém desenhou um abecedário com letras apenas minúsculas. O artista gráfico chamava-se Herbert Bayer (1900-1985) foi aluno e depois professor em Bauhaus.
Bauhaus é sobejamente conhecida. Escola fundada pelo arquitecto Walter Gropius em 1919 na República de Weimar, um Estado livre declarado após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra. Bauhaus juntou a escola de Artes e Ofícios e a Academia de Belas-Artes, e destinou-se ao ensino da arquitectura, das artes plásticas, e pela primeira vez, do design. Foi obrigada, cada vez que o poder deixou de ser de esquerda, a passar de Weimar para Dessau e daí para Berlim tendo sido também essa encerrada e definitivamente, pela pressão dos nazis, em 1933. Durante os 14 anos que existiu Bauhaus foi a manifestação decisiva do modernismo, não só na arquitectura cujo estilo perdura como fundamental influência, mas também no novo conceito de funcionalidade dos bens de consumo que se queriam simultaneamente artísticos. Bauhaus não é o berço do Modernismo no sentido exacto, até as “primeiras vagas” dos nossos modernistas, do Orpheu e outros são anteriores, Santa-Rita Pintor e Amadeu de Souza-Cardoso morreram um ano antes de ter surgido a escola; mas quando juntou artistas e artesãos criando nas suas oficinas peças de uso quotidiano, a par das experiências na arquitectura deu uma dimensão visível e prática que deve ser considerada pioneira.
Herbert Bayer, o nosso gráfico, entrou em Bauhaus em 1921, foi aluno de Kandinsky e Moholy-Nagy, passando a chefiar a Oficina de tipografia e publicidade em 1925. Defensor da funcionalidade e da aplicação da geometria mais elementar, protagonizou o regresso à pureza das figuras geométricas simples, como o quadrado, o círculo e o triângulo; curiosamente ou talvez não, a base explicativa da “teoria da arte” do meu conterrâneo Nadir Afonso, (tenho um quadro dele em frente) que trabalhou com Le Corbusier e Óscar Niemeyer assenta nas mesmas figuras. A distingui-los está o carácter intuitivo que Nadir reivindica para a produção criativa, enquanto Herbert justifica com a racionalidade e a poupança material o uso de elementos simples como linhas e circunferências. É apenas com linhas rectas, círculos, e arcos de círculos que Herbert Bayer desenha em 1925 um tipo de letra “universal” de nome sturm blond, sem maiúsculas sem estilizações ou adornos. Irá influenciar os artistas gráficos que desenharam tipos até aos dias de hoje. Outro nome ligado a Bauhaus mas que lá nunca leccionou é Jan Tshichold, expoente da “Nova Tipografia”, que também desenhou um tipo de letra “universal” só de minúsculas.
Voltarei à vida posterior de Herbert Bayer e à escola de Bauhaus.
(A partir de um post que publiquei no Estrolabio em 2010)
(A partir de um post que publiquei no Estrolabio em 2010)
Sem comentários:
Enviar um comentário