quarta-feira, 16 de março de 2011

No-fly zone ou o fim da guerra civil na Líbia

Por Carlos Mesquita

O filho de Kadhafi, Saif al-Islam Kadhafi, anunciou em entrevista (exclusivo no portal Euronews) que o fim dos combates está para breve.

Ao impasse na guerra civil e perante a ameaça internacional, Kadhafi respondeu primeiro com a reconquista das cidades ocupadas pelos insurgentes a oeste, até à fronteira com a Tunísia, em seguida dominou os complexos petrolíferos até as portas de Benghazi. É em redor da maior cidade da Cirenaica islamizada, que diz estar neste momento. Não é crível que use mais que a força necessária para abrir condições de negociar.

Para o regime de Kadhafi as sanções impostas pelo ocidente nada alteram, nem as deliberações do Parlamento Europeu, da Liga Árabe ou da Conferência Islâmica; o importante é internamente conquistar o apoio das tribos com quem divide a autoridade politica. A maioria delas é espectadora do conflito, seria prejudicada pela divisão do país e tomarão a iniciativa de impor negociações perante uma situação sem solução militar.
 Para além do risco político de uma operação militar da NATO contra um país árabe, há experiência anterior de não se conseguirem cumprir os objectivos inicialmente propostos pelas zonas de exclusão aérea.

As forças de Kadhafi têm uma grande supremacia militar nos meios terrestres e não precisam (às portas de Benghazi) de projectar à distância operações aéreas ou bombardear uma cidade com muita população civil, o que seria um contra-senso político que Kadhafi, já se viu, dificilmente cometerá.
O bloqueio aéreo na Líbia seria uma operação complexa, de resultados duvidosos e imprevisíveis consequências; mas o mundo está cheio de governantes que perderam a noção da realidade.

Antes de ontem publiquei no Estrolabio o post seguinte:

 O governo americano apresenta amanhã o plano
 para os europeus se envolverem na guerra civil líbia.

Há duas semanas que se pondera a vontade e os inconvenientes de um envolvimento militar da NATO no conflito líbio. O governo dos Estados Unidos tem dado sinais de não se querer envolver em mais uma guerra, enquanto na Europa as ex-potências coloniais, França e Reino Unido, pressionam para passar por cima da legalidade de uma resolução do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas.

Não vai haver uma zona de exclusão aérea autorizada pelo CS da ONU, dos 10 países membros não permanentes, Líbano, Brasil, Índia e África do Sul, já disseram ser contra, e a Alemanha pela voz de Angela Merkel diz-se céptica. Dos 5 permanentes, Rússia e China desaprovam, impedindo qualquer resolução explícita a favor do bloqueio. Seriam necessários 9 votos e desses a totalidade dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança.

Para complicar a situação, não é incontestável que o bloqueio aéreo seja suficiente para impedir que as forças militares governamentais tomem conta de todo o território líbio.
Resolvida a revolta a oeste de Tripoli, o grosso dos efectivos e material militar pode ser empregue em Bengashi, decerto não numa batalha de guerra total, mas confinando a oposição armada a uma área sitiada. A diferença de poderio militar entre as forças leais a Kadhafi e os revoltosos ditaria o desfecho da contenda. É nesse quadro que EU/NATO discutem o seu possível envolvimento directo na guerra civil líbia.

Dos exemplos anteriores de zonas de exclusão aérea, quer as ilegais no Iraque, para proteger a minoria curda a norte e os xiitas a sul, quer na Bósnia Herzegovina, não impediram os ataques executados por Sadam ou pelos Sérvios. Os Ingleses parecem dispostos a agir sem mandato e Sarkozy vai mais longe, propondo “ataques aéreos cirúrgicos”. No fundo foi o que sucedeu no Iraque, onde a imposição da zona de exclusão aérea foi pretexto para bombardeamentos selectivos sobre objectivos militares iraquianos.

A zona de exclusão aérea sobre a Líbia não consegue consenso nem entre os rebeldes, havendo membros do “governo provisório” em Benghazi, que têm declarado à comunicação social ser a questão líbia um problema interno a resolver sem a presença de tropas estrangeiras, pois essa intervenção tiraria a legitimidade à revolta. No mesmo “governo” interino, há quem suplique às potências ocidentais ataques aéreos sobre as forças militares fiéis a Kadhafi, como o seu ex-ministro da Justiça, Mustafa Abdel-Jalil, que tem a cabeça a prémio.

A reticência dos Estados Unidos em se envolverem numa nova frente, sem nada terem solucionado no Iraque onde têm milhares de soldados, ou no Afeganistão onde estão há dez anos, é justificada. Mais uma vez, será a relação de forças militares e políticas internas dos EU, a definir o caminho. Declarações como as do Secretário da Defesa Robert Gates, (o chefe do Pentágono) ao Congresso, revelam cautelas. Para “deixar as coisas claras” disse aos congressistas, “uma zona de exclusão aérea tem de começar com um ataque à Líbia, para destruir as defesas anti-aéreas”, o que “seria um acto de guerra” e significava “uma grande operação num grande país”.

 Segundo Hillary Clinton, dia 15 de Março os EU entregariam à NATO o plano visando uma zona de exclusão aérea, ressalvando que a decisão deve ser tomada pela ONU e não pelos Estados Unidos. O governo americano apresenta amanhã o plano, para os europeus se envolverem na guerra civil líbia. Haver ou não mandato da ONU não foi no passado impeditivo de uma coligação de países agirem fora da lei internacional. Se essa for a opção, não se livram, outra vez, da acusação de estarem a intervir por causa do petróleo. Uma cruzada neo-colonial, numa região em ebulição, terá consequências imprevisíveis no mundo árabe, e no sistema de abastecimento energético mundial.
Mais dois artigos no Estrolabio sobre a questão Líbia de 28 de fevereiro e 7 de Março.

1 comentário:

carlos loures disse...

Magnífico. Como diria o Américo Tomás, «só uso um adjectivo: - gostei!». Parabéns Karlos Mesquita.