O Agente
A placa dizia “Imobiliária Ajax”, e o agente subiu ao segundo andar. Na sala só havia uma mesa, uma cadeira e um homem sentado nela, imóvel, olhando o tecto.
O agente olhou para ele e disse:
“Sou do Instituto de Estatística e venho fazer o seu questionário.”
“Que questionário?” perguntou o homem que estava na mesa.
“Nome, nacionalidade, estado civil – esses dados todos.”
“Para quê?”
“Para o recenseamento, para sabermos quantos somos, o que somos.”
“O que somos? Isso não”, disse o homem da mesa, com certo pessimismo.
“O recenseamento nos dará a resposta de tudo”, disse o agente.
“Mas eu não quero saber de mais nada”, disse o homem. “O senhor não está vendo”, acrescentou, subitamente aborrecido, “que eu estou ocupado?”
O senhor me desculpe”, disse o agente, “mas sou obrigado a preencher a sua ficha, o senhor também é, de certa forma, obrigado a colaborar. O senhor não leu a proclamação do presidente da República?”
“Não.”
“Foi publicada em todos os jornais. O presidente disse – “
“Isso não interessa”, disse o homem levantando da cadeira abrindo os braços, “por favor.”
Mas o agente, lápis em uma das mãos e formulário na outra, não tomou conhecimento do pedido. “Seu nome?”, inquiriu.
“José Figueiredo. Mas isso não vai adiantar de coisa alguma”, disse o homem, sentando novamente.
O agente, que já tinha escrito “José” no formulário, parou e perguntou:
“Por quê? O senhor não está me dando um nome falso, está?”
“Não, oh! Não. Meu nome é José Figueiredo. Sempre foi. Mas se eu morrer amanhã, isso não falsificará o resultado?”
“Esse risco nós temos que correr”, respondeu o agente.
“Morrer?”
“Sempre morre alguém durante o processo de recenseamento, porém está tudo previsto. Outros nascem. Está tudo previsto”, disse o agente.
“Quer dizer que eu posso morrer amanhã sem atrapalhar a vida de ninguém?”, perguntou o José.
“Pode – ora, o senhor não está com cara de quem vai morrer amanhã; está meio pálido e abatido, de fato, mas o senhor toma umas injeções, que isso passa. Estado civil?”
“O senhor pode guardar um segredo?”, disse José.
“Viúvo?”, disse o agente.
“Um segredo que vai durar pouco?”, continuou José.
“Eu só quero saber o seu estado civil, a sua –“, começou o agente.
“Eu vou me matar amanhã”, cortou José.
“Como? Isso é um absurdo! O senhor está brincando comigo?”
“Olhe bem para mim”, disse José, “eu estou com cara de quem está brincando com o senhor?”
“Não” disse o agente.
Não escrevi nenhuma carta de despedida; ou melhor, escrevi, escrevi várias, mas nenhuma me agradou. Além do mais, não sabia a quem endereçá-las: ao delegado de polícia? – impossível; A Quem Interessar Possa – muito vago.”
“Que coisa”, murmurou o agente. “O senhor vai se matar mesmo?”
“Vou, Mas o senhor não precisa ficar chocado”, desculpou-se José.
“Mas isso é um absurdo”, disse o agente, pela segunda vez naquele dia. “O senhor não gosta de viver?”
“Bem”, disse José botando a mão na face e olhando o teto, “há certas coisas que eu gostaria de fazer, como beijar uma menina loura que passou por mim na rua ontem, tomar com ela um banho de mar e depois deitar na areia e deixar o sol secar meu corpo. Mas isso deve ser influência do céu”, disse ele olhando para a janela, “que está hoje muito azul.”
“Concito-o a abandonar esse propósito. Prometa-me que não irá cometer esse gesto, disse o agente. “Eu estou com pressa”, acrescentou imediatamente, quando viu que José balançava a cabeça.
“Já decidi; não posso mais voltar atrás.”
“Isso é uma loucura. Eu não posso ficar aqui até amanhã, a vida inteira, procurando convencê-lo da sua insensatez. Não posso perder meu tempo”, continuou agora com mais vigor, “também preciso viver; cada dez minutos do meu tempo corresponde a cento e setenta cruzeiros e cinquenta centavos.”
“Eu aprecio muito o seu interesse”, disse o José.
“De nada, de nada”, disse o agente, olhando para o chão. “Ainda não fiz nada hoje”, acrescentou depois de uma pausa.
José levantou-se e estendeu a mão. Apertaram as mãos em silêncio.
O agente desceu as escadas lentamente. Quando chegou à rua, tirou uma folha de endereços do bolso e, com um lápis, riscou o nome “Imobiliária Ajax”. Olhou então para o relógio e apressou o passo.
1 comentário:
Muito bom!!!
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