segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Guerra da Líbia, a batalha de Tripoli e a prisão de Saif el-Islam.
Líbios apoiantes do regime ainda resistem à ofensiva militar da NATO e das forças rebeldes. Os países da coligação já fazem a partilha dos bens naturais da Líbia. A progressão dos rebeldes até ao interior de Tripoli foi possível devido à intervenção directa de militares e serviços de espionagem dos países ocidentais, apoiados pelo bombardeamento aéreo da NATO.
Já em Março a Reuters noticiava que Barack Obama tinha assinado a ordem que autorizava a CIA a dar apoio directo aos rebeldes. Também, segundo a Reuters, foram mobilizados “dezenas de membros das forças especiais britânicas e agentes do MI 6”. O coronel francês Thierry Burkhard, confirmou que desde o início de Junho estavam a enviar armas para os rebeldes que actuam nas Montanhas Ocidentais da Líbia (reportagem do “Le Fígaro”).
Portanto já há muito que a resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU que autorizou a “zona de exclusão aérea”, e proibia o fornecimento de armas aos contendores, era letra morta. A suposta medida para proteger os civis líbios dos ataques do governo de Kadhafi, transformou-se em ataque indiscriminado contra o povo e os bens dos líbios que habitam as zonas sob administração do governo.
O que agora se passa não é completa surpresa como o demonstra a entrevista (abaixo) que o filho de Kadhafi, Saif, deu ao jornal El-Khabar da Argélia em 11 de Julho. Foi enganado pelos franceses, foi ingénuo ao pensar ser possível um Estado Moderno após o inicio da intervenção da NATO, mas já devia calcular que a ofensiva viria das Montanhas (com os franceses), enquanto a CIA operava no interior de Tripoli, guiando os bombardeamentos da NATO.
Numa coisa acertou, a TOTAL já assinou com o governo de transição a partilha do petróleo líbio, cabendo-lhe 35%. Os líbios vão pagar as bombas que lhes destruíram o país e mataram milhares de civis, com petróleo do melhor do mundo.
Sobre Saif el-Islam falaremos mais tarde até porque o Tribunal Penal Internacional quer a sua entrega para julgamento. Não é a figura que a propaganda dos vencedores diz, e alguma coisa disso mesmo é visível na entrevista.
A entrevista é transcrita do word-revolution.com (o português foi revisto em algumas partes pelo ClariNet)
El-Khabar: Começamos a nossa entrevista com aquilo que mais interessa à opinião pública
internacional: em que ponto estão as negociações com a oposição em Benghazi?
Saif el-Islam: Na verdade, temos verdadeiras negociações em curso com a França e não com os rebeldes. Através dum enviado especial que se reuniu com o presidente francês, temos uma mensagem clara de Paris. O presidente francês disse com sinceridade ao nosso correspondente: “Nós criámos este Conselho [Conselho dos Rebeldes de Benghazi, NdT] que sem o dinheiro e as armas da França, não existiria.”
Estes grupos entraram em contacto connosco através de canais egípcios, reunimo-nos com eles no Cairo, onde foi realizada uma ronda de negociações, mas os Franceses acabaram por saber do encontro e disseram ao grupo de Benghazi: nós apoiamos-vos, mas se houver outros contactos com Tripoli sem o nosso conhecimento, paramos imediatamente de vos apoiar.
Todas as negociações devem passar pela França, disseram: nós não fazemos esta guerra por beneficência, temos interesses comerciais na Líbia, e o governo de transição terá de aprovar vários contratos. Referem-se aos contratos relativos às aeronaves Rafale e a outros contratos que interessam à Total.
El-Khabar: Por que não divulgam ao público os documentos que comprovam o vosso financiamento à campanha eleitoral de Sarkozy?
Saif el-Islam: Bem, nós não usamos todas as nossas armas ao mesmo tempo, temos mais de que uma surpresa, mais de uma arma e vamos usá-las na altura certa …
El-Khabar: Então agora estão a negociar com Paris e não com Benghazi?
Saif el-Islam: Sim, estamos a negociar com Paris e foram abertos canais de comunicação com a França. Os Franceses disseram: o Conselho faz o que dissermos, quando chegarmos a um acordo convosco em Tripoli, começaremos a falar dum cessar-fogo com o Conselho.
O Conselho é, portanto, um fantoche dos Franceses. Para dar-lhe um outro exemplo da interferência francesa no Oeste da Líbia, na zona montanhosa perto da fronteira com a Argélia e a Tunísia, chegaram forças especiais francesas com a missão de ensinar [aos rebeldes] a pilotar os aviões franceses.
Essas forças também se destinam a recrutar e treinar os rebeldes e as milícias, e entregaram com pára-quedas armas ocidentais, sob a supervisão de outras forças especiais no solo. A mesma coisa aconteceu quando capturámos alguns prisioneiros em Misurata, disseram que há treinadores franceses a ensinar a pilotar as aeronaves. Benghazi tornou-se uma província da França, controlada pelos serviços de intelligence franceses; o que quero dizer é que a presença francesa em Benghazi tornou-se evidente, não vamos esquecer que Paris tem instalado um sistema móvel de vigilância e interceptação das comunicações em Benghazi, controlado pelos próprios franceses.
Não se esqueça também do famoso incidente há 40 dias, em que um grupo de contractors [mercenários que tratam da segurança de empresas privadas, NdT] franceses foi morto em Benghazi. As unidades de segurança das empresas francesas estão a lutar com os rebeldes, e as declarações do grupo que capturou os mercenários mostram que as empresas francesas são responsáveis (?) pelos assassinatos que estão a ocorrer em Benghazi. A guerra contra a Líbia é de marca francesa, é uma cruzada liderada pela França.
El-Khabar: Sabemos que no parlamento francês se realizará na próxima Segunda-feira um debate sobre a guerra na Líbia, o que gostaria de dizer aos representantes do povo francês?
Saif el-Islam: O que aprendemos com os rebeldes que decidiram regressar a Tripoli é que queriam acabar o conflito na Líbia antes do 14 de Julho, antes do feriado nacional francês, porque Sarkozy queria comemorar o aniversário com a vitória e a ocupação da Líbia.
Sarkozy também anunciou nos meios de comunicação que Muamar Kadhafi tem que ir para o estrangeiro, o que significa que a intenção é voltar aos dias do colonialismo francês na África e na Argélia, quando os líderes nacionais foram expulsos dos países.
O projecto era completar a ocupação da Líbia, a tempo das celebrações do feriado nacional francês. Este é o seu programa, e ainda temos relatórios da intelligence segundo a qual os Franceses gostariam de desembarcar tropas de terra nas montanhas, nas áreas controladas por rebeldes, para depois atacar Tripoli. É uma das opções que foram estudadas em Paris. Por esta razão, se eu tiver que falar com os Franceses, digo-lhes que esta guerra estúpida, guerra baseada em informações falsas, em que se acreditava que a Líbia pudesse ser derrotada e ocupada dentro de alguns dias ou algumas horas, foi na direcção oposta, como quando diziam que a Argélia pertencia de direito aos Franceses; no entanto, tiveram de sair.
Se Deus quiser, a França sairá da Líbia de mãos vazias e não será capaz de atingir os seus objectivos. Eu digo que se a França quer vender os seus aviões Rafale, se querem assinar contratos de petróleo, se querem voltar para a Líbia com as suas empresas, então deve falar com o legítimo governo da Líbia e com o povo líbio, devendo fazê-lo por meios pacíficos e diplomáticos, porque da guerra e dos bombardeamentos não obterá nada. Esta é a minha mensagem para a França.
El-Khabar: Em que ponto está a mediação internacional e o que está a acontecer agora? Em particular agora, depois da visita do mediador russo que tomou conhecimento da situação, após a reunião entre o presidente russo Medvedev e presidente da Nato e depois do encontro entre Medvedev e o presidente sul-africano Jacob Zuma, que é parte da mediação?
Saif el-Islam: Primeiro, deixe-me esclarecer algumas coisas, nomeadamente que o mundo inteiro foi enganado com artigos de jornais que mentiram, que diziam que o Estado líbio teria morto milhares de manifestantes e que bombardeou a população com aviões militares. O mundo agora sabe que era tudo uma mentira, a Human Rights Watch reconheceu que a informação era falsa, mesmo a Amnistia Internacional disse que eram falsidades e o próprio Pentágono realizou uma investigação interna e concluiu que era informação falsa.
El-Khabar: Voltando à questão da mediação internacional, em que ponto estão?
Saif el-Islam: Em relação às iniciativas, há um road-map africano acerca do qual todos concordam: queremos organizar as eleições e chegar a um governo de unidade nacional, estamos prontos para realizar eleições sob a supervisão das organizações internacionais e introduzir uma nova Constituição, mas os rebeldes recusam, e recusam porque ainda não há acordos com Paris.
El-Khabar: O coronel Kadhafi, no seu discurso perante os seus apoiantes em Sheba, na Sexta-feira, ameaçou retaliar e enviar homens-bomba para a Europa: não está com medo de ser tratado como terrorista?
Saif el-Islam: Primeiro, temos direito de atacar os Países que nos atacam e matam os nossos filhos. Mataram o filho de Muama, Kadhafi, destruíram a sua casa e mataram os seus parentes. Não há uma família na Líbia que não tenha sido vítima da NATO. É por isso que estamos em guerra, a NATO começou os ataques e vai enfrentar as consequências.
El-Khabar: Saif el-Islam será um candidato para as futuras eleições na Líbia?
Saif el-Islam: Estou oficialmente fora da política na Líbia desde 2008 e desde essa data e até ao início da crise estava fora da Líbia, estava no Camboja. Voltei para a Líbia no início dos eventos, fiquei fora do jogo político, mas depois do que aconteceu na Líbia todos os planos foram alterados. Depois de ver a traição, os interesses no campo e a nova colonização, todos os dados foram alterados, não excluo a possibilidade de candidatar-me, todas as opções são possíveis.
El-Khabar: Como mudará o sistema da Líbia após as reformas em curso?
Saif el-Islam: Vamos manter um sistema público, mas terá uma nova roupagem e uma nova imagem. Haverá uma segunda estrutura administrativa que será adicionada à primeira, se Deus quiser, estamos a lançar as bases dum Estado moderno. Estabelecemos uma Comissão Constitucional há três anos, envolvendo grandes especialistas locais e internacionais, e esse projecto deve ser avaliado por todas as tribos da Líbia e discutido pelo povo. Se for aprovado, vai ser implementado.
El-Khabar: Algumas pessoas pensam numa Líbia dividida, o primeiro-ministro britânico David Cameron já declarou a intenção de dividir o Sahara líbio, o que acha?
Saif el-Islam: Existe um plano britânico para o desmantelamento da Líbia, o Oeste e o Sul para a França, o Leste para a Grã-Bretanha, e uma base militar para os Britânicos em Tobruk. Este não é um segredo, mas é uma ilusão colonialista, é como ladrar para a lua.
El-Khabar: Acredita que a Argélia possa desempenhar um papel para unir novamente todos os cidadãos líbios?
Saif el-Islam: Com toda honestidade, se perguntar a qualquer cidadão líbio, ele dirá que os Argelinos são muito próximos dos Líbios. Infelizmente, como já viu, o único País árabe para o qual se olha como para um covil de criminosos é a Argélia. Nós temos uma coisa em comum com os Argelinos. Eles combateram no passado contra a França, nós estamos a fazer a mesma coisa hoje.
A mediação da Argélia seria bem-vinda. Tem sempre desempenhado um papel de unificação. Gostaria de salientar que as posições adoptadas pelos Países árabes são indignas, a Argélia é um dos poucos Países árabes que têm tomado uma posição completamente diferente. O povo líbio nunca vai esquecer e é por isso que a mediação da Argélia é bem-vinda para uma aproximação entre os irmãos da Líbia.
El-Khabar: Têm alguma coisa a acrescentar, uma declaração final?
Seif el-Islam: Desejo que a comunidade internacional preste atenção ao que está a acontecer na Líbia, onde tem lugar uma das mais colossais campanhas de desinformação. Isto é agora admitido pelos Europeus e pelos próprios Americanos. Na verdade, os media inventaram uma série de escândalos que nunca aconteceram. Avisamos a comunidade internacional que as imagens que é possível ver nos canais por satélite e na Internet são manipuladas. A verdade irá surgir um dia!
Fonte Blogghet - original El-Khabar
Etiquetas:
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